O PRECONCEITO DOS CUIDADOS PALIATIVOS E A DESMITIFICAÇÃO DA MORTE
Por Mariana Lopes e Caio Levi
Há tempos, os profissionais ligados à Paliação tentam desmistificar a negatividade que estas práticas terapêuticas carregam no imaginário das pessoas. Ter acesso aos Cuidados Paliativos é um direito de qualquer paciente. Esta categoria de acompanhamento pode ajudar quem está em tratamento, e também sua família, a lidar com todas as situações que a doença irá impor.
Médica especialista em Cuidados Paliativos e um dos nomes mais famosos da área no Brasil, Ana Claudia Quintana Arantes conta, em vídeo postado em 2019 no canal do YouTube Jout Jout, que a proposta de buscar o conhecimento de cuidados paliativos é interpretada, no meio médico, como se estivesse abrindo mão da possibilidade de salvar vidas.
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Antes da atualização do conceito dos cuidados paliativos pela OMS, em 2002, o tratamento era iniciado apenas quando havia um avanço da doença crônica, ou até mesmo quando não havia mais opções. Hoje em dia, já se recomenda esse acompanhamento desde o início do tratamento, no momento do diagnóstico.
Segundo o Doutor Ricardo Caponero, Oncologista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o diagnóstico já causa um grande impacto na vida, perspectiva e planejamento futuro do paciente.

Ricardo Caponero, 61 anos, médico, especialista em Oncologia Clínica pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e Associação Médica Brasileira (AMB).
Por isso, a prática já deve ser introduzida para dar apoio e orientação. Nesse momento, os cuidados têm um impacto menor e uma aparição menos incrementada, isso porque, no início do tratamento tentamos mudar a repercussão da doença na vida do indivíduo. Sempre pensando na qualidade de vida e no processo de adoecimento.
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Esses cuidados são um direito de todos os pacientes com alguma doença que ameaça a vida, pois visam garantir que eles recebam um tratamento correto e humanizado. Dessa forma, a própria pessoa ou seus familiares podem solicitar esse direito. Inclusive, em hospitais públicos de referência e nos centros de atendimento particulares já existem profissionais de Cuidados Paliativos inseridos na equipe multidisciplinar.
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Porém, algo que ainda é bastante notável é o grande tabu da sociedade em relação a essa área da medicina. A procura ativa por essa abordagem ainda é pequena no Brasil. Isso acontece, pois, além do fato de muitas pessoas desconhecerem a prática, ainda há um pré-conceito associando os cuidados diretamente à morte, que também é um assunto delicado para grande parte da população.
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A Dra. Catherine Conrado, psicóloga hospitalar e residente multiprofissional no Programa de Idoso e Cuidados Paliativos no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), sempre ouvia a fala de familiares de pacientes sobre “Não ter mais o que fazer”, em relação aos enfermos em estado terminal. A forma que esse assunto era tratado a intrigou o suficiente para se aprofundar em técnicas e intervenções de cuidado em muitos sentidos, tanto em uma fundamentação teórica e técnica, mas como pessoal também, para oferecer cuidado e compartilhar os processos de vida até o fim da vida.
“Eu escolhi psicologia para cuidar de um sofrimento que muitas vezes é deixado de lado e não é visto, que é o sofrimento psíquico. Quando eu fui aprofundando um pouco mais a minha atuação dentro da saúde que foi fazendo mais sentido pra mim essa prática da psicologia e ainda mais especificamente os cuidados paliativos(...)”
É provável que boa parte das pessoas ainda não saiba o que são os cuidados paliativos ou só entenda a sua real necessidade após receber um diagnóstico de uma doença grave que ameace a própria vida ou de algum familiar, como câncer. No entanto, o objetivo é oferecer conforto, qualidade de vida e aliviar o sofrimento do paciente.
Independentemente da faixa etária ou enfermidade, para os paliativistas morrer é tão importante quanto nascer. Para eles, é preciso viver com qualidade até o último dia e que a pessoa seja vista como um ser humano, muito além da doença. Quando não é possível mais realizar intervenções médicas que possam curar o paciente, entram em campo os profissionais de cuidados paliativos porque, após um diagnóstico, ainda há muito a se fazer, tanto pela pessoa quanto por seus familiares.
Apenas na década de 1990 surgiram os primeiros serviços organizados de cuidados paliativos no Brasil. A maioria dos médicos são treinados para curar, mas diante de uma doença incurável, a equipe de cuidados paliativos realiza intervenções específicas para aliviar o sofrimento físico e permitir que a vida siga seu curso natural. E assim, a pessoa tenha uma "boa morte" (kalotanásia).
Em seu livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, Ana Claudia Quintana Arantes conta sobre como a prática de kalotanásia torna possível diminuir a necessidade de sedativos e preza pelo conforto do paciente.
“Infelizmente, no Brasil, todo mundo pensa que fazer cuidados paliativos é sedar o paciente e esperar a morte chegar. Muitos pensam que é apoiar a eutanásia ou acelerar a morte, mas isso é um engano imenso. Em minha prática observo sempre o índice de sedação paliativa dos pacientes que cuido. Precisamos sedar apenas 3% dos pacientes. No meu pequeno mundo de assistência a kalotanásia, 97% das pessoas morrem no melhor de seu conforto em momentos mais belos e intensos do que uma cena de cinema.”
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As intervenções médicas devem ser implementadas apenas quando oferecem benefícios.
Após dois anos de negociações e e-mails trocados, o Dr. Daniel Forte ao lado de sua equipe, deram um grande passo na área de Cuidados Paliativos no Brasil. Foram aprovadas e publicadas, em 2018, políticas públicas de cuidados paliativos no Brasil, no Diário Oficial da União. Dessa forma o estado afirma que os cuidados paliativos são uma necessidade da sociedade um direito não mais restrito. cerca de 75% da população brasileira, mais de 155 milhões de pessoas atendidas pelo SUS, terá acesso a essa abordagem quando tiver que enfrentar uma doença que ameaça a continuidade de sua vida.
"Prolongar uma vida é maravilhoso, desde que seja com qualidade. Qualquer procedimento deve ser comprovado cientificamente e ter concordância do paciente e de seus familiares".
Douglas Crispim, paliativista e presidente da academia nacional de cuidados paliativos
A equipe de cuidados paliativos é composta por diversos profissionais que controlam os sintomas:
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Do corpo (médicos e enfermeiros);
Da mente (psicólogos e psiquiatras);
Espirituais (padre, pastor, rabino, entre outros);
Sociais (assistentes sociais)
A pessoa que está em processo de morte precisa decidir como deseja que sejam os seus cuidados e os tratamentos que quer (ou não) receber no momento da finitude. Para isso, há as diretrizes antecipadas de vontade (ou testamento vital).